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Onde há fumaça, há falta de planejamento e articulação nacionais

Atualizado: 23 de set.

É importante aproveitarmos a ampla atenção sobre o tema para começar a discussão, tantas vezes adiada, da criação de uma estratégia nacional de prevenção e combate a incêndios florestais no Brasil




Por Caroline Nóbrega


Quando a fumaça encobre o sol e turva a visão, fica difícil enxergar o entorno. E quando ela se dissipa, poucos se interessam em falar das queimadas que provocaram a nuvem espessa que se espalhou, nos últimos dias, por grande parte do Brasil.

 

O grande quadro dos incêndios nas florestas, pastos e lavouras no País não se extinguirá, entretanto, quando a chuva chegar e a natureza der sua contribuição para apagar os focos generalizados por todo o território nacional.

 

Assim, enquanto o tema está, literalmente, quente convém começar a discussão, tantas vezes adiada, da criação de uma estratégia nacional de prevenção e combate a incêndios florestais no Brasil.

 

Nas últimas semanas, esse tema chegou a ser levantado, com o anúncio pelo governo federal de um plano para a área, com reforços financeiros e de pessoal destinados a equipe do ICMBio e do PrevFogo.

 

Mais recentemente, o próprio Supremo Tribunal Federal, através do ministro Flávio Dino, chegou a emitir uma determinação de destinação de mais efetivos para essas entidades, com alçada para combate em áreas de preservação e parques nacionais sob alçada federal.

 

São medidas necessárias, mas claramente insuficientes diante do cenário visto nacionalmente – e não apenas este ano. Pelo tamanho de seu território e a complexidade administrativa, é preciso falar efetivamente de uma articulação nacional em torno do tema.

 

Sociedade e autoridades, em diferentes níveis, costumam tratar a questão dos incêndios com um olhar fatalista, como se fossem obra única do clima excessivamente seco. A ignição dos focos, sem dúvida, é favorecida por essa condição. Seu alastramento, tomando proporções muitas vezes incontroláveis, não.

 

Quando falamos de combate ao fogo, as dificuldades começam pela falta de comunicação e uniformidade entre as legislações dos diferentes estados. Normas técnicas para formação de brigadas e normas e trâmites burocráticos para uso do fogo variam de estado para estado.

 

Além do recorte estadual, outro desafio é a jurisprudência. As brigadas nacionais, ICMBio e Prevfogo, são formadas com o objetivo principal de atuar em alguns territórios específicos do país, em especial Unidades de Conservação, Territórios Indígenas e algumas áreas especiais.

 

Para o Pantanal, por exemplo, onde, aproximadamente 95% das terras são compostas por propriedades privadas, existe uma lacuna em relação às responsabilidades do setor público e privado.

 

Os Corpos de Bombeiro são responsáveis por algumas áreas, mas não todas. Em uma situação de emergência, frequentemente a população não tem a quem pedir ajuda em caso de incêndios florestais.

 

Qual porcentagem dos incêndios são respondidos de forma tardia por falta de equipes capacitadas, ou mesmo, ficam sem resposta? Esse levantamento nunca foi feito, mas desconfio que o número seja perturbadoramente alto.

 

Orçamentos anuais ou emergenciais até podem nos dizer quanto está sendo gasto, mas não é suficiente para indicar onde esse dinheiro está sendo gasto e, principalmente, com qual eficiência.

 

É certo que não choveu quando deveria ter chovido. Que esta temporada de incêndios seria difícil, já era fato dado há tempos. Há alguns meses escrevi um artigo sobre isso, publicado no LinkedIn. As questões que ficam são: Por que não capacitamos e equipamos mais brigadas? Por que as fazendas não estavam preparadas para implementar ações de prevenção e dar uma primeira resposta eficiente? É justo responsabilizar apenas os produtores sobre o fogo nas áreas privadas, quando o próprio poder público ainda luta para resolver o problema do fogo nas áreas públicas (UCs e TIs)?

 

A falta de coordenação nacional dificulta o estabelecimento de estratégias e critérios para a ação conjunta de entre diferentes forças, inclusive brigadas comunitárias, públicas e privadas. Sem uma clara divisão hierárquica e de responsabilidades, essas ações acabam sendo menos eficientes e expondo os combatentes a maiores riscos.

 

Se não há prevenção e planejamento, recursos são queimados junto com as matas, sem que tragam resultados.

 

Hoje, em áreas sem equipes e tecnologias de prevenção – que são a grande maioria em reservas e propriedades rurais públicas e privadas – a sinalização e a resposta a focos de calor são lentas, quando há resposta.

 

Identificado logo de início, o fogo costuma ser rapidamente controlado por brigadistas ou até mesmo por empregados de propriedades rurais com o devido treinamento. Se a resposta, como é regra, demora dias a aparecer, o fogo ganha escala e, então, é preciso enviar contingentes maiores, com equipamentos mais sofisticados e dispendiosos.

 

Gasta-se mais para se ter resultado pior, com o controle só vindo quando uma área gigantesca já está queimada.

 

Um estudo realizado pelo USDA Forest Service SE Research Station estima que “cada dólar gasto em prevenção de incêndios gera dezessete dólares de economia em supressão e custos imediatos pós-incêndio para a sociedade. Este número, no entanto, não inclui danos ao meio ambiente ou outros custos sociais que podem continuar por muitos anos e frequentemente ultrapassam em muito o custo simples da supressão.”

 

Não se trata, portanto, de fatalismo, mas da falta de entendimento de que, com uma frequência cada vez maior, teremos de lidar e conviver com eventos associados a extremos climáticos. E de que precisamos estar preparados para isso.

 

Quando o fogo se espalha, a reação que mais vemos é a busca por responsáveis por ter colocado o fogo. Mas, e sobre a resposta lenta e gestão ineficiente? Precisamos, sim, em nível de País, de uma avaliação real de investimento e retorno, seja do ponto de vista financeiro, seja do ponto de vista de resultados.

 

Aqui, outro exemplo recente ajuda a ilustrar a importância de se trabalhar com planejamento, prevenção e coordenação. Entre as decisões de mitigação dos prejuízos causados pelo fogo, houve a liberação de créditos de até R$ 50 mil para produtores rurais cujas propriedades foram destruídas pelo fogo.

 

Recursos são sempre necessários, nem sempre suficientes e aplicados no momento devido. Hoje, se um produtor rural tiver interesse em investir em preparar sua propriedade para a prevenção e a resposta rápida ao fogo, não encontrará nenhum mecanismo de incentivo financeiro, sendo que ônus pela manutenção de reservas lhe é imposto pela lei.

 

Não seria mais barato e eficiente oferecer créditos subsidiados para esse fim do que bancar um grande aparato para combater o fogo depois que já causou prejuízos à propriedade – e, em larga escala, à saúde, ao ambiente, a outras atividades econômicas afetadas pela fumaça que cobre o País?

 

O debate tem, com o se vê, muitas frentes. Mesmo com a emergência atual roubando nossa atenção, é preciso colocá-lo na ordem do dia. Antes que o tema volte ao esquecimento até que o fogo volte. E é certo que voltará.


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