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Foto do escritorDaiany Andrade

Fogo subterrâneo: O perigo oculto que ameaça a vida e a biodiversidade

Com chamas invisíveis, ele é um desafio para o controle e a prevenção de incêndios, destrói vegetações, empobrece o solo e agrava a crise climática

Enquanto os incêndios avançam pela vegetação, causando labaredas que transformam paisagens em cinzas, há um perigo oculto, silencioso e persistente: o fogo subterrâneo.


Diferente das chamas que atingem a superfície, esse fogo não se revela aos olhos, mas se esconde abaixo do solo, queimando lentamente a matéria orgânica acumulada. Com uma velocidade quase imperceptível, esse tipo de fogo pode durar meses, devastando raízes e impactando a biodiversidade de forma silenciosa.


“O fogo subterrâneo é um tipo de incêndio que acontece abaixo da superfície do solo, geralmente em áreas ricas em matéria orgânica, raízes e folhas em decomposição, como turfa”, explicou a  coordenadora de projetos da Aliança da Terra, Joisiane Araújo.


Segundo ela, a turfa é composta por matéria orgânica acumulada, como plantas e vegetação em decomposição, que se encontra em solos úmidos e saturados. Quando a turfa seca, especialmente em períodos de estiagem prolongada, ela se torna altamente inflamável.


Presente principalmente em regiões com solos ricos em turfa, como o Pantanal e as veredas do Cerrado, o fogo subterrâneo é um desafio tanto para quem combate quanto para a saúde dos ecossistemas. “É bem difícil de detectar, mesmo com a experiência que a gente tem. Às vezes você vê a fumaça subindo e as vezes não.”, disse o Comando da Brigada Aliança, Osmano Santos.


Há cerca de 15 anos na Brigada, ele já enfrentou por diversas vezes esse inimigo invisível, que representa grande risco também para os brigadistas que estão em combate. “O fogo subterrâneo se propaga de forma lenta. E ele pode se propagar um metro por dia, dois metros por dia, ou menos, dependendo do tipo de material orgânico no local e da espessura”, explicou Santos.


As causas e os danos do fogo subterrâneo


O fogo subterrâneo é causado principalmente por incêndios que se iniciam na superfície e se propagam para camadas mais profundas do solo, onde há um acúmulo significativo de matéria orgânica. Esse fenômeno ocorre em ambientes onde a matéria orgânica está presente e, em condições de seca prolongada e altas temperaturas, essa matéria se torna altamente inflamável.


“Quando um incêndio se inicia na superfície, ele pode rapidamente se espalhar e atingir essas camadas de matéria orgânica. A falta de umidade do solo facilita a combustão e a propagação do fogo subterraneamente”, disse a coordenadora da Aliança da Terra.


Esse tipo de fogo causa impactos devastadores. A primeira vítima é a vegetação local, pois o incêndio atinge diretamente as raízes e queima a camada de turfa no subsolo, comprometendo a regeneração natural das plantas.


Sem raízes para se sustentar e crescer, muitas espécies de plantas não conseguem se recuperar adequadamente, o que leva à perda de biodiversidade e a alterações permanentes na composição da vegetação.


A destruição das plantas afeta diretamente a fauna local, já que muitos animais dependem dessas áreas para abrigo e alimentação. Com a perda do habitat natural, a população de várias espécies tende a diminuir, e algumas podem até ser levadas à extinção em determinadas regiões.


Além dos danos visíveis, o fogo subterrâneo libera grandes quantidades de dióxido de carbono (CO₂) e outros gases poluentes, agravando as mudanças climáticas e comprometendo a qualidade do ar.


“Outro aspecto importante é a alteração da qualidade do solo. A queima da matéria orgânica e das raízes degrada a fertilidade do solo e sua capacidade de reter água, prejudicando o crescimento de novas plantas”, reforçou Joisiane.


Solos mais pobres favorecem a invasão de espécies exóticas, que se adaptam rapidamente às novas condições e competem com as plantas nativas, causando mais desequilíbrio ecológico.


“Dependendo da região, o fogo subterrâneo também pode contaminar águas e sedimentos, afetando a fauna aquática e os ecossistemas locais. Esses danos, em conjunto, criam um efeito negativo de longo prazo sobre a biodiversidade e a saúde dos ecossistemas”, complementou ela.


Como controlar e prevenir

Guerreiros da Brigada Aliança combatem fogo subterrâneo

As formas eficazes de conter o fogo subterrâneo envolvem uma série de técnicas específicas. Uma das mais importantes é o combate direto, que consiste em apagar o fogo assim que ele aparece na superfície. Outra técnica é a abertura de trincheiras, que cria barreiras físicas no solo para impedir que o fogo se alastre por camadas mais profundas.


“Com uma enxada ou enxadão, você vai abrindo valas. Você tem que cavar até chegar no solo mineral, na terra limpa, como diz meu pai”, contou Santos. Segundo ele, a profundidade é definida a partir da expessura da camada de material orgânico presente no subsolo.


No entanto, há grandes desafios. Por queimar abaixo da superfície, o fogo subterrâneo é difícil de combater e o maior risco é o de reignição, ou seja, o incêndio recomeçar. “É aquela questão de ficar na vigilância, ficar voltando no local. Pois é um fogo muito difícil de controlar e muito cansativo. Às vezes fica numa raiz. Essa raiz é um pouquinho mais longa, mais de um metro, e eu raspei ali só por cima.  O fogo entrou na raiz e vai queimando até sair na folha ou no capim e se transformar em rasteiro de novo”, explicou Santos.


“A remoção da camada de matéria orgânica ou a aplicação de grandes quantidades de água seria a solução, mas, na prática, é inviável em grandes áreas devido ao custo, tempo e recursos necessários”, destacou Joisiane Araújo.


“Outra medida importante é a manutenção de áreas úmidas. Preservar a umidade do solo, especialmente em áreas como veredas no Cerrado e áreas alagáveis no Pantanal, é fundamental para reduzir a suscetibilidade ao fogo subterrâneo”, complementou. A proteção das nascentes, a conservação da vegetação nativa e o uso responsável da água são ações que ajudam a preservar a umidade do solo.


O monitoramento contínuo por meio de drones e alertas de satélites, que permitem identificar focos de calor antes que se tornem grandes incêndios, também são essenciais. Essas tecnologias facilitam a detecção precoce e possibilitam uma resposta rápida para impedir o avanço do fogo.


Além disso, o engajamento das comunidades locais no monitoramento e a formação de brigadas comunitárias fortalecem a capacidade de resposta. Treinamentos e campanhas educativas são fundamentais para evitar práticas inadequadas e garantir a proteção dos ecossistemas e, claro, a segurança das pessoas.

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