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"Ainda sabemos muito pouco sobre os quelônios"

Doutor em Ecologia de Ambientes Aquáticos, Dilermando Lima Junior comanda a equipe que, em parceria com a Aliança, analisa dados para conhecer melhor a população de tartarugas e tracajás no Rio das Mortes



Há 16 anos a Aliança da Terra se dedica, juntamente com as comunidades locais, a proteger duas espécies de quelônios ameaçadas de extinção no norte de Mato Grosso. Através do Projeto Quelônios do Rio das Mortes, a entidade monitora a desova, a eclosão e a soltura dos filhotes de tracajás e tartarugas-da-Amazônia na região. Ao longo desse período, mais de 72 mil filhotes de quelônios foram soltos no Rio das Mortes, conseguindo taxas de sobrevivência que chegam a 92% no caso dos tracajás.


Além de contribuir para a preservação das espécies, o projeto tem coletado uma enorme quantidade de dados sobre a biodiversidade nas áreas que margeiam o Rio das Mortes, um dos principais afluentes da bacia do Araguaia. Interpretá-los e transformá-los em estudos científicos, gerando mais conhecimento sobre os quelônios, é um grande desafio. Desde o ano passado, uma parceria da Aliança com o grupo de pesquisadores liderado pelo doutor em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais Dilermando Pereira Lima Junior, professor de Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), vai viabilizar a análise das informações coletadas sobre os quelônios da região nos últimos 15 anos. Os primeiros resultados do estudo devem ser entregues no primeiro semestre deste ano.

A parceria com pesquisadores, universidades e institutos de pesquisa são parte essencial do trabalho da Aliança. O próprio Dilermando relata que, anos antes, em 2014, indicou a Aliança da Terra para atuar em um projeto de manejo de fogo em Unidades de Conservação em Mato Grosso. Naquele ano, cerca de 70% do Parque Estadual da Serra Azul, em Barra do Garças, foi consumido por um incêndio. Na época, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA MT) buscou ajuda de técnicos e pesquisadores para encontrar soluções. Dilermando foi um deles e, apesar de não ser a sua área direta de atuação, começou a escrever o projeto. Durante esse processo, entretanto, recorreu à Aliança da Terra, que tem um time especializado no combate a incêndios, a Brigada Aliança.

Dilermando Pereira Lima Junior possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa (2005), é mestre em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (2008) e doutor em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais pela Universidade Estadual de Maringá (2012). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia, onde coordena o Laboratório de Ecologia e Conservação de Ecossistemas Aquáticos (LECEA/UFMT). É credenciado aos Programas de Pós-graduação em Ecologia e Conservação da Biodiversidade (UFMT) e Ecologia e Conservação (UNEMAT, Campus Nova Xavantina). Suas principais linhas de pesquisa são: ecologia e conservação da biodiversidade, ecologia de comunidades, ecologia e manejo de reservatórios, invasões biológicas e impacto de hidrelétricas.

Na entrevista a seguir, o cientista explica sua contribuição no projeto Quelônios do Rio das Mortes, panoramas futuros e principais ameaças ao ecossistema local. Confira:


Pelo que você já observou até o momento, quais são os principais impactos sofridos pelos quelônios?

Ainda é cedo para dizer. O que eu tenho notado na região, e que posso dizer com mais calma, é que há uma intensa mudança do solo, e alteração da vazão dos rios da região. Um artigo que acabamos de submeter confirma essa informação ao mostrar claramente como houve redução dessa vazão nos rios da região da década de 70 para cá (mais precisamente até 2019).

Por que analisamos isso? Para amenizar conflitos muito fortes que estamos tendo no Cerrado, fruto da construção de hidrelétricas e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Estamos executando esse trabalho agora no intuito de fazer o que chamamos de priorização espacial, ou seja, com os dados em mãos estamos avaliando as condições atuais para pensarmos em soluções assertivas para o futuro.

Com os resultados será possível, futuramente, até mesmo influenciar políticas públicas para conservar esses rios mais influentes para a reprodução e conservação dos quelônios. Já aqueles que são menos importantes poderão ter outros usos, que podem incluir a produção de energia.



Qual a importância do projeto?

A verdade é que nós ainda sabemos muito pouco sobre os quelônios. Nós sabemos que as tartarugas desovam, mas e aí? Conservar as áreas de desova é importante. A tartaruga é o que podemos chamar de espécie bandeira, aquelas que são utilizadas como um símbolo, mas que na verdade representam algo maior.

Elas podem ser o símbolo da conservação dos ecossistemas de áreas úmidas, como brejos e planícies de inundação, uma vez que são áreas extremamente importantes em termos ecológicos.

Para se ter uma ideia, existe uma Convenção de Áreas, estabelecida na década de 70, que tem como intuito proteger áreas de inundação como a do Araguaia. E esses espaços infelizmente são extremamente impactados por ações humanas, como avanço de soja, de pasto, e drenagem desses rios.

Penso que o projeto Quelônios do Rio das Mortes poderá ser o chamariz para mostrar a importância da planície de inundação do Araguaia. Existem na região várias Unidades de Conservação, mas infelizmente a maior parte não saiu do papel. Então, chamar atenção para esse ecossistema é muito importante.

É só fazer um comparativo. Fala-se muito do Pantanal, mas o Araguaia também é uma planície de inundação, e o seu canal não é visto com a mesma importância apesar da sua relevância, é uma enorme biodiversidade.


O que o motivou a estudar os quelônios?

Na verdade, foi uma oportunidade. Eu não tinha esse foco em minhas pesquisas, que são voltadas para vida aquática, principalmente de peixes. Mas tudo que está na água nós analisamos aqui no laboratório, desde fitoplâncton, zooplâncton, até insetos aquáticos.

As perguntas acabam sendo mais importantes do que os próprios objetos de estudo. De um lado temos dados que precisam ser analisados, de outro os meus alunos que precisam trabalhar. Ao unirmos isso geramos muito conhecimento.

A ideia é que a gente comece a analisar os dados de forma sistemática em janeiro. Isso será feito em parceria com a Aliança, e até com o próprio Ibama, que costuma nos pedir para olhar essas informações. Essa será uma ótima oportunidade de estudar a biologia das tartarugas da Amazônia e dos tracajás que vivem na nossa bacia.


Há quanto tempo esses dados vêm sendo coletados?

Precisamos compilar dados de 2006 a 2020, organizá-los em uma planilha e depois analisá-los. A previsão é que terminemos de catalogá-los em janeiro para que entreguemos o relatório final em julho para a Aliança.


Como o avanço do agronegócio pode afetar os quelônios?

É uma situação complicada, pois está havendo uma degradação grande do seu habitat natural. São espécies que já estão ameaçadas e isso pode se intensificar, o que é muito preocupante.

O agro tem avançado muito, por aqui tem acontecido principalmente nas regiões de planície de inundação. As vazões estão sendo drenadas, o que terá um preço alto no futuro. Ao drenar a vazão, retira-se a principal função da planície que é a de encher de água no período chuvoso e distribuí-la na seca, a chamada regulação fluvial. Quando o espaço é drenado retira-se essa função.


Quais são as principais ameaças à biodiversidade da Bacia do Araguaia?

Com certeza as hidrelétricas e a construção de barragens, uma vez que existem propostas de se construir várias delas aqui. Há também algo de mineração, principalmente de diamante, mas nada muito significativo para toda a bacia.

Como mencionei anteriormente, outra ameaça é o avanço do agro que está alterando as propriedades do solo. Esse aspecto é crítico, pois está havendo uma conversão da vegetação natural em pastagem, o que está cobrando o seu preço, com a diminuição da vazão e a nítida degradação do solo.



Quais ações, de imediato, podem ser tomadas para diminuir a pressão sobre as tartarugas?

A primeira delas é inibir o seu uso como alimento, já que é uma iguaria para a população local. As pessoas caçam, gostam de comer, tem um aspecto tradicional que é difícil de lidar. Isso envolve toda uma questão de educação ambiental para mostrar essa importância, que eu vejo que a Aliança já tem feito.

Precisamos mostrar para a sociedade a importância do ecossistema do rio Araguaia e dos animais que vivem nele. Aplicações imediatas são difíceis de fazer, podemos tentar diminuir a pressão de caça e esses diversos usos, dos seus ovos etc..


Como você enxerga o futuro desses quelônios?

Se não tomarmos medidas que protejam o ecossistema, o ambiente irá mudar as condições para a espécie se manter, se perpetuar. Nós temos primeiramente que estudar para entender como esses impactos afetam os quelônios; uma vez afetando, existe a possibilidade de trabalhar com medidas de adaptação? É isso que vamos analisar. Penso que só uma boa ciência pode nos ajudar a responder a essa questão.

O pior é não fazer nada. Esse é o principal ponto. O futuro do ecossistema irá depender de utilizarmos o ambiente de forma racional, tentarmos desenvolver atividades econômicas e conservar a área. Esse é o nosso desafio. Tudo está perdido? Não é isso. Mas temos um longo caminho de trabalho em prol da conservação dessas espécies.


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